
AREEIRO
A minha tristeza
não é igual
a nenhuma outra
que passeia por aqui
não há choques de azul
nem cachos de acácias
resta o Caetano a cantar
no rádio
autocarros vazios
onde não cabe mais ninguém
não há versos de Pessoa
nas paredes
só os pombos, clientes
da Cinderela
me recordam que a felicidade existe
os aviões prometem levar-me
para bem perto de mim
e ao mesmo tempo ameaçam
trazer-me de volta
este ano fui a Nova York
fui a Barcelona
e esqueci-me de ficar.
AVENIDA
Desço a pé a avenida sem memória
na nova sombra das árvores, nem o sol
se reconhece
as fachadas se agigantam para mim
com olhos de palácio pobre
folhas rolam pelo chão lentamente
em contramão
montras cansadas de esperar
refletem carros ansiosos
lá em baixo tem um rio delirante
que nunca desceu a avenida.
CHIADO
A mesa de Pessoa
não tem livros para ler
tem ecos de poesia
guardada nas estantes
sem chuva
a vibração das ruas
a estátua amplia
o Tejo afunda-se
ao fundo da cidade
turistas reciclados
nos versos de pedra e cal
sabem quem és
tiram-te fotos
tu, pensativo,
pareces refletir
nos sorrisos que deixaste à solta
nas páginas nunca visitadas
por flaches.








